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domingo, 4 de dezembro de 2016

Charuto


Em 3 de dezembro de 1952, falecia Charuto.

O nome desse torcedor colorado ainda é uma incógnita. Se perdeu no tempo e talvez nunca seja descoberto. Sabe-se apenas que era natural de Santa Catarina. Mas isso não significa que ele fosse um desconhecido. Pelo contrário, era um dos mais ilustres torcedores colorados, em sua época. Conhecido e admirado por todos. Um "colorado em estado puro", na definição de Luís Fernando Veríssimo.

Charuto vivia dos bicos que fazia nas docas do Cais do Porto, carregando caixas de frutas, segundo as versões mais conhecidas. Mas segundo o Jornal do Dia de 4 de dezembro de 1952, ele trabalhava como carregador no Mercado Público. Sem dinheiro para frequentar o estádio, sempre encontrava torcedores dispostos a pagar seu ingresso. Se não encontrasse um patrocinador, contava com a boa vontade dos porteiros, que "ignoravam" quando Charuto entrava no estádio de costas, para fingir que estava saindo.

Charuto costumava chegar ao estádio já embriagado, e uma vez lá dentro ainda recebia cervejas pagas por outros torcedores. Normalmente virava-se de costas para o campo e de frente para a torcida, fazia discursos incompreensíveis, gritava "Co-ro-ra-do! Co-ro-ra-do!", sentava na arquibancada e dormia o resto do jogo. Em jogos especiais, como os Gre-Nais, Charuto trazia caixas de chuchus e tomates estragados, para jogar nos adversários.

Mas não se pense que, por jogar frutas em outras pessoas, Charuto fosse uma pessoa agressiva. O Jornal do Dia de 5 de dezembro de 1952 assim o descreve: "De índole galhofeira, perfeitamente inofensivo, seu aparecimento em qualquer círculo de palestra nas ruas  estádios era sempre bem recebida, pelo humorismo apresentado na simplicidade de seu modo tosco de falar."

Dizem que um dia alguns torcedores fizeram uma vaquinha, compraram roupas novas para Charuto e o levaram para a social do estádio. Charuto não teria se sentido à vontade, pediu desculpas e voltou para o meio do povo. Voltemos ao Jornal do Dia, que o apresentou como o "mais modesto, e no entanto, mais vigoroso admirador" do Clube do Povo.

Sua morte varia conforme duas versões. Em ambas, Charuto envolveu-se em uma briga, por motivo desconhecido. Em uma das versões, a briga ocorreu no Cais do Porto, Charuto perdeu o equilíbrio, caiu e bateu com a cabeça no meio-fio. Em outra versão, a briga ocorreu próximo o Mercado Público, e Charuto foi esfaqueado. Porém, novamente recorrendo ao Jornal do Dia, essa versão violenta (que não combina com o perfil brincalhão e inofensivo) não encontra guarida. Charuto foi encontrado sem sentidos, na rua, e levado ao HPS, onde faleceu de colapso cardíaco.

Seu enterro ocorreu no mesmo dia 4. Uma lenda bonita, mas falsa, aparece em vários textos, na internet. Charuto teria tido seu caixão carregado pelos jogadores do Internacional, devidamente fardados. Na verdade a morte, na época e ainda hoje, se reveste de uma sóbria solenidade, e certamente não teríamos jogadores fardados carregando um caixão. Além do mais, no dia 7 ocorreria o Gre-Nal decisivo do campeonato e os jogadores colorados já estavam concentrados. Mas o clube não deixou desamparado seu torcedor. Todas as despesas do funeral foram bancadas pelo clube e a direção colorada compareceu em peso ao velório e funeral.

Charuto representa aquele torcedor de origem humilde, que está sendo expulso dos estádios nos últimos anos, como se fosse uma chaga. Charuto, no plano espiritual, deve estar juntando chuchus e tomates podres, mas não para lançar nos adversários, e sim nos cartolas que sonham em elitizar o futebol brasileiro.

Para encerrar, passo a palavra a Luís Fernando Veríssimo:

"Me lembrei do Charuto, que nunca olhava para o campo, provavelmente nem sabia quem era o adversário do Inter e dificilmente lia jornal ou ouvia rádio para saber dos campeonatos e das campanhas do seu time. Sua paixão pelo Inter independia de qualquer entorno - o Internacional era, para ele, para todos os efeitos, uma abstração. O objeto de um amor perene e incondicional. Ganhasse ou perdesse."

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Força, Chape!

Nada acontece por acaso. Grandes tragédias ocorrem para “sacudir” o entulho de egoísmo e insensibilidade que soterra a humanidade. A dor leva à reflexão e a mudanças no comportamento e no pensar.

O acidente com a avião que levava a delegação da Chapecoense gerou uma onda de solidariedade mundo afora que supera em muito o que alguém poderia imaginar, antes da tragédia. A imprensa mostrou as demonstrações de solidariedade de grande clube e atletas famosos na Europa, mas certamente isso se repetiu em cada rincão do planeta, não importando se clube grande ou pequeno, atleta profissional ou amador. Em quantos campinhos de terra pelo interior do Brasil, nesse final de semana, em torneios de várzea ou simplesmente amistosos, não foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem às vítimas da tragédia?

Quem viu as imagens de ontem à noite, na Arena Índio Condá e no Atanásio Girardot, certamente notou a grande onda de emoção e solidariedade. Principalmente em Medellín,onde o estádio lotou e ainda ficaram milhares de torcedores fora, para solidarizarem-se e homenagearem um clube de outro país. A tão sofrida Colômbia viu reunirem-se milhares de pessoas, das mais diferentes etnias, condições sociais, convicções políticas e crenças religiosas, em torno de um sentimento comum, todos reconhecendo-se como iguais, como seres humano solidários com a dor de irmãos desconhecidos, mas igualmente humanos.

E essa união se repetiu no Brasil, na Europa, na Ásia, na África, na Oceania e em cada ponto do planeta onde a notícia chegou. Mesmo que algumas das manifestações de solidariedade possam ter sido apenas protocolares, na sua imensa maioria foram sinceras. E mesmo que muitos desses corações solidários hoje voltem a endurecer-se nos conflitos e rivalidades do dia-a-dia (e eu me incluo entre eles), uma semente de solidariedade e respeito ao próximo ficou plantada e vai brotar, mais cedo ou mais tarde.

Um dia, talvez ainda longe (mas trabalhemos para que fique o mais perto possível), esse sentimento de solidariedade e fraternidade, em que nos reconheçamos como irmãos e como iguais, vai ser natural, sem necessitar de grandes tragédias para aflorar.


Força, Chape!