O Internacional tinha tudo para começar a temporada de 1928 em alta. O clube havia retomado a hegemonia do futebol da capital e conquistado seu primeiro título estadual no ano anterior.
Mas a situação foi bem diferente. A começar pela equipe, que passou por grandes mudanças. O goleiro Moeller trocou o Internacional pelo Grêmio, e em seu lugar o clube trouxe de volta o veterano Bard. Na zaga, Gilberto mudou-se para Rosário do Sul, onde passou a atuar no Guarany. Grant, funcionário do Banco Pelotense, foi transferido para Pelotas em setembro. O clube fez várias experiências na zaga, inclusive recuando o atacante Miro. França, Mabília, Bagé e Pontes foram alguns dos nomes testados na posição.
Na linha média, o lateral-direito Ribeiro e o centromédio Lampinha, dois dos mais experientes do time, continuaram na equipe, mas ficaram várias vezes de fora, substituídos por Jean Ryff, Egydio, Dias, Travi e Hermes. Na lateral-esquerda o titular Paulo foi embora e o veterano Moreno voltou para assumir a posição.
No ataque, Nenê e Ross continuaram como titulares durante a temporada. Veiga jogou vários meses, antes de sair do time. Barros, após ser suspenso injustamente por causa das confusões de um Gre-Nal em junho, encerrou a carreira. E Miro atuou várias vezes de zagueiro. Muitos nomes passaram pela linha de frente, que só se estabilizou com a chegada de Dirceu Alves, primeiro atleta reconhecidamente negro a atuar no Colorado. O ataque formado por Nenê, Ramão, Ross, Dirceu Alves e Miro jogou cinco partidas consecutivas, e foi a única formação que conseguiu jogar mais de uma partida seguida sem mudanças.
Na época vigorava o amadorismo, oficialmente nenhum jogador podia receber para jogar. Mas um "profissionalismo marrom" já existia há muito tempo, com jogadores recebendo salário de forma clandestina. Para barrar transferências de atletas motivadas por vantagens financeiras, desde 1917 existia a Lei do Estágio, que obrigava todo jogador que trocava de club dentro da liga a passar de 6 meses a um ano jogando apenas amistosos. Mas eram frequentes as tentativas de burlar a legislação. O Grêmio em 1917 e 1920 e o Cruzeiro em 1928 deram origem a crises no futebol da capital ao tentarem utilizar atletas sem repeitar a Lei do Estágio. Outras transferências eram aceitas sem reclamação do clube que perdia o atleta. Na própria temporada de 1928 os goleiros Moeller e Lara trocaram de clube. Moeller deixou o Internacional e ingressou no Grêmio, enquanto Lara deixou o Tricolor e assinou com o Porto Alegre.
Mas a transferência do atacante Fagundes do Americano para o Cruzeiro (mais a mudança de data do Gre-Nal do 1º turno do campeonato) levou a uma crise que paralisou o campeonato da cidade no mês de maio de 1928. Os clubes dividiram-se entre facção esquerdista (Internacional, Americano, São José e Ruy Barbosa) e facção direitista (Grêmio, Cruzeiro, Concórdia, Ypiranga e Porto Alegre).
Resolvida a crise entre os clubes, acirrou-se a disputa interna colorada. De um lado, os defensores de um amadorismo puro, comandados por Antenor Lemos, de outro os que já vislumbravam a adoção do profissionalismo em um futuro próximo, liderados por Ildo Meneghetti.
A crise política do clube foi agravada com a venda do campo da Chácara dos Eucaliptos. O Asilo Providência, proprietário do terreno, colocou o mesmo à venda, por 40 contos de réis, concedendo ao Internacional a preferência da compra. O valor era elevado, mas a direção colorada recorreu a uma família de peso, os Chaves Barcellos, que contavam com vários colorados. Os Chaves Barcellos aceitaram emprestar o valor, a juros baixos, prazos longos para pagar, e provavelmente sequer cobrariam a dívida.
Na Assembléia Geral marcada para oficializar o empréstimo e a compra do terreno, Antenor Lemos, a maior liderança colorada da época, considerou o valor muito caro para um terreno, avaliou que o empréstimo comprometeria as finanças do clube, e que o Internacional precisava se preocupar em conquistar vitórias esportivas, não um patrimônio material. A vitória do grupo de Antenor Lemos, na Assembléia, fez com que várias outras lideranças coloradas, como Arquimedes Fortini e provavelmente os Chaves Barcellos, saíssem do clube, levando consigo muitos sócios.
A vitória de Antenor Lemos só agravou a crise do clube. Correndo o risco de ser despejado de seu campo, sem dinheiro, e perdendo vários associados, a situação ficou insustentável. O mesmo Antenor Lemos, em outra reunião, teria chegado a sugerir a extinção do clube. E isso poderia ter ocorrido, se não fosse um outro colorado que logo se tornaria um líder maior que Antenor Lemos: Ildo Meneghetti.
Ao Meneghetti assumir a presidência do clube, em 1929, a situação era crítica. Na reunião de 15 de fevereiro de 1929 foi relatado que o clube possuía uma dívida de vinte contos de réis, não possuía material esportivo e seu campo precisava de reformas. Ildo Meneghetti conseguiu negociar um prazo com o Asilo Providência, para que o Internacional continuasse usando a Chácara dos Eucaliptos por mais um tempo, obteve o terreno para a construção de um novo estádio (o Eucaliptos) e acertou uma forma de pagamento que o clube pudesse cumprir. Assustados com os rumos que a crise havia tomado, muitos apoiadores de Antenor Lemos mudaram de idéia e não boicotaram os acordos feitos por Meneghetti. O próprio Antenor Lemos, em 23 de abril de 1929, doou 2 contos e 500 mil réis para a construção do novo estádio, sendo o segundo maior doador, perdendo apenas para Ildo Meneghetti. Mas a crise política estava longe de acabar (embora o risco do clube desaparecer fosse debelado).
Em 1929 Ildo Meneghetti tornou-se presidente do Internacional, enquanto Antenor Lemos dirigia a Federação Riograndense de Desportos (atual FGF). E os desacertos entre os dois aprofundam-se. Primeiro, no início de 1929, por iniciativa colorada, foi extinta a “Lei do Estágio”, que praticamente inviabilizava as transferências de jogadores. Antenor Lemos foi contra o fim da Lei, que representou um golpe de morte no sonho de retornar ao amadorismo puro. Em abril de 1929, os principais clubes de Porto Alegre fundam uma nova liga, a Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos (AMGEA), mas Antenor Lemos não aceitou a filiação da nova entidade e manteve na FRGD a antiga Associação Porto-Alegrense de Desportos (APAD), que ficou composta apenas por Cruzeiro, São José, Tristezense e Porto Alegre.
A situação agravou-se mais em novembro de 1929. Antenor Lemos convocou jogadores do Internacional para a Seleção Gaúcha, mas o clube recusou a atender a convocação, pois não fazia parte da FRGD. Aliciado pelas ofertas de Antenor Lemos, Ribeiro, um dos principais jogadores colorados, aceitou atuar pela Seleção e desfalcou o Internacional no Gre-Nal decisivo do campeonato, em 10 de novembro de 1929. A derrota colorada por 2x1 deu o título ao Americano. A tensão subiu a níveis intoleráveis, com críticas pesadas ao clube e sua direção. No dia 23 de novembro de 1929, em Assembleia Geral, os sócios colorados declararam Antenor Lemos “o pior inimigo que o clube jamais teve”. O afastamento de Antenor Lemos do clube trouxe de volta a maioria dos sócios que haviam saído em 1928.
Que motivo teria levado Antenor Lemos a adotar uma posição tão radical, em relação a compra da Chácara dos Eucaliptos? A hipótese mais provável é que esta medida, sendo aprovada, fortaleceria, e muito o grupo ligado a Arquimedes Fortini. A posição de Antenor Lemos teria sido, acima de tudo, política, no sentido de enfraquecer o grupo de Fortini. Mas as coisas saíram do controle, e Antenor Lemos quase matou o Internacional. Famoso por sua teimosia, não conseguiu rever sua posição e entrou em rota de colisão com o clube, em 1929. Nos anos 1930 e 1940 voltou a ter uma relação menos conflitiva com o Colorado. Em 1931 o estatuto colorado definia quais eram os fundadores do clube, e Antenor Lemos estava na lista. Em 1940 ele foi eleito diretor do clube, junto com Ildo Meneghetti. Segundo Martim Aranha, ex-presidente gremista, em 8 de outubro de 1944, após o Internacional vencer o Grêmio por 2x1 em uma partida dramática e conquistar o pentacampeonato da cidade, Antenor Lemos fez um discurso de saudação aos seus atletas, ainda no gramado da Timbaúva, onde teria sido utilizada pela primeira vez a expressão "Clube do Povo".
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