Em 20 de novembro de 1917 a Federação Sportiva Riograndense, que comandava o futebol de Porto Alegre, reuniu-se para discutir a situação de dois filiados: o Fussball Club Porto Alegre e o Fussball Club Manschaft Frisch Auf. Poucos dias antes o Brasil havia declarado guerra à Alemanha e havia uma pressão popular pela nacionalização dos clubes germânicos. A reunião ocorreu no Clube Caixeiral.
O primeiro deles, um dia antes da reunião, decidiu mudar seu nome para Football Club Porto Alegre, mas o Frisch Auf recusou-se a nacionalizar seu nome. Seus sócios, em maioria, decidiram que era melhor fechar as portas do clube do que mudar o nome, o que foi considerado uma ofensa pela comunidade esportiva gaúcha.
Em 9 de novembro de 1917 ocorreu uma assembleia do Frisch Auf, onde Jorge Eichenberg apresentou uma proposta de nacionalização do clube. Mas a maioria dos sócios foram contrários à proposta, entre eles Paulo Ritter e Alexandre Hertzog, voluntários de manobras do Exército Brasileiro, e que estavam fardados na assembleia. Os dois militares também estavam entre os organizadores de uma nova reunião, para reafirmar a decisão de não nacionalizarem o nome do clube. Em 16 de novembro os dois militares foram presos. Mais tarde, em 16 de dezembro, eles foram expulsos do Exército e postos em liberdade. (1)
No dia da reunião da FSR, chegou aos dirigentes da entidade uma carta de sócios do Frisch Auf, que diziam ter sido o clube extinto e sido fundada uma nova instituição, o Grêmio Sportivo Rio Grandense (2). Mas havia uma informação de bastidores de que isso se tratava de uma ação dos sócios do Frisch Auf para enganar a Federação, e assim que a situação permitisse voltariam a erguer a bandeira do velho clube.
O representante do Internacional, Antenor Lemos, pediu a palavra e fez o discurso que resolveu a questão:
"Pedi preferencia de palavra na discussão do momentoso caso em debate pelo motivo de representar nesta assembléa o club de onde partiu o primeiro grito de protesto e desaggravo ante a ofensa que nos foi atirada pela maioria do 'Fussball Frisch-Auf''.
Permitti, sr´. presidente, que á margem do assumpto em discussão eu borde ligeiros comentarios fortalecendo assim a legitimidade da nossa causa e relembrando um facto historico na formação da cultura physica da mocidade portoalegrense. Muitos annos antes de estalar a formidavel conflagração européa iniciamos nós do Internacional, a campanha de nacionalisação do sport de foot-ball, na capital do Rio Grande do Sul. Em 1909 lançámos a idéa de fundação de uma sociedade onde predominassem elementos nacionaes, para o cultivo do foot-ball association, então de uso quasi exclusivo dos extrangeiros, com especialidade dos allemães, natos ou de origem. Grandes difficuldades tivemos de remover, soffrendo tambem grandes revezes.
Adestrando-nos porém para a lucta e apurando sempre e cada vez mais as invejaveis qualidades physicas que caracterizam os filhos deste pedaço de nosso amado Brasil, conseguimos impor a nossa superioridade, glorificando assim o typo de sportman legitimamente nacional.
Nossa, portanto, muito nossa é a campanha na qual vamos ter agora o epílogo com a expulsão da <Fuss-Ball Mannschaft Frisch-Auf,> cuja existencia, mesmo nos risonhos tempos de paz, constituia uma affronta á sociedade brasileira.
Agremiação allemã, formada de elementos brasileiros em sua maioria, era o Frisch Auf regido por estatutos e trabalhos de secretaria em lingua allemã.
E os nossos patrícios não se sentiam vibrados pelo culto da patria.
Desfibrados ou trahidores, certo é que não podem mais pertencer a esta Federação e neste sentido proponho a expulsão, como medida patriotica, da sociedade F. B. M. Frisch-Auf e mais que seja aberto rigoroso inquerito para apurar a culpabilidade dos nossos patricios socios da mesma sociedade, organisando-se uma lista negra, na qual deverão ser incluidos como suspeitos á patria brasileira." (3)
Ao terminar o discurso, Antenor Lemos foi muito aplaudido. A proposta de expulsão do Frisch Auf foi aprovada por unanimidade e foi formada uma comissão de inquérito para investigar quais sócios do clube haviam votado contra a nacionalização da entidade. Esses sócios ficariam proibidos de ingressarem em outros clubes filiados à FSR. (4)
No encerramento da Assembleia, discursou o delegado do Sport Club Internacional, 2º tenente Adalberto da Rocha Moreira, congratulou-se com FSR, "pelo modo com que haviam sabido desaffrontar a offensa lançada á bandeira da nossa pátria, cujos filhos, amanhã, saberão derramar o seu sangue contra um inimigo, repudiado por todo o mundo civillizado." (5)
Contextualizando a situação: quando o Internacional foi fundado, em 1909 (Antenor Lemos foi um dos fundadores do clube), o futebol da capital era dominado por dois clubes teuto-riograndenses, Grêmio e Fussball. Ambos jogavam apenas entre si e era muito difícil pessoas de fora da comunidade germânica conseguirem ingressar nos mesmos. Suas atas e documentos costumavam ser escritos em alemão, ou nas duas línguas.
Em 1910 surgiu o Frisch Auf, o mais "germânico"dos clubes teuto-riograndenses. Enquanto o Fussball e o Grêmio foram abrandando aos poucos sua "germanidade" (embora sem abandoná-la), o Frisch Auf mantinha-se arraigado. Quando ocorreu a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e a decisão de nacionalizar os nomes de entidades relacionados ao inimigo, o Frisch Auf recusou-se a aceitar a nova realidade.
Quanto ao discurso de Antenor Lemos, sobre a luta para constituir clubes de predomínio de brasileiros, o que parece estranho em um clube chamado Internacional, não deve ser visto como um comportamento xenófobo (o Internacional teve vários sócios e atletas estrangeiros em seus primeiros anos, inclusive alemães) e sim uma luta contra clubes fechados em determinadas comunidades étnicas.
Era comum na imprensa o Internacional ser apontado como a primeira equipe de Porto Alegre “inspirada e fundada por elementos puramente nacionaes”. Essa informação pode ser encontrada, entre outras fontes, no Correio do Povo, 4 de abril de 1922; Correio do Povo,
4 de abril de 1924, p. 6; Correio do Povo, 3 de abril de 1927, p. 12; Correio do Povo, 4 de abril de 1937,
p. 17.
(1) O Estado, Florianópolis, 23 de dezembro de 1917, capa.
(2) Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1917, pág. 2.
(3) A Federação, Porto Alegre, 21 de novembro de 1917, pág. 3.
(4) O Paiz, Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1917, pág. 8.
(5) Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1917, pág. 6.
Salve, Raul! Beleza?
ResponderExcluirTem textos muito interessantes na BN, inclusive matérias destaque em periódicos de SC, SP e RJ mencionando, além da extinção do Frisch Auf da Liga Sportiva Rio-grandense, a prisão dos sócios Alexandre Hertzog e Paulo Ritter (esse jogador do 1º quadro do Frisch Auf) no Exército Brasileiro por se manifestarem em oposição à nacionalização do clube. De acordo com os textos, Hertzog chorava copiosamene se sentindo culpado, enquanto Ritter se mostrava mais frio durante o anúncio da sentença.
Bah, muito legal! Vou procurar essas matérias. Esse é mais um capítulo da história do futebol gaúcho pouco conhecido.
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