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domingo, 2 de janeiro de 2022

O Internacional e a I Guerra Mundial: discurso de Antenor Lemos na reunião da Federação Sportiva Riograndense, em 20/11/1917


Em 20 de novembro de 1917 a Federação Sportiva Riograndense, que comandava o futebol de Porto Alegre, reuniu-se para discutir a situação de dois filiados: o Fussball Club Porto Alegre e o Fussball Club Manschaft Frisch Auf. Poucos dias antes o Brasil havia declarado guerra à Alemanha e havia uma pressão popular pela nacionalização dos clubes germânicos. A reunião ocorreu no Clube Caixeiral.

O primeiro deles, um dia antes da reunião, decidiu mudar seu nome para Football Club Porto Alegre, mas o Frisch Auf recusou-se a nacionalizar seu nome. Seus sócios, em maioria, decidiram que era melhor fechar as portas do clube do que mudar o nome, o que foi considerado uma ofensa pela comunidade esportiva gaúcha.

Em 9 de novembro de 1917 ocorreu uma assembleia do Frisch Auf, onde Jorge Eichenberg apresentou uma proposta de nacionalização do clube. Mas a maioria dos sócios foram contrários à proposta, entre eles Paulo Ritter e Alexandre Hertzog, voluntários de manobras do Exército Brasileiro, e que estavam fardados na assembleia. Os dois militares também estavam entre os organizadores de uma nova reunião, para reafirmar a decisão de não nacionalizarem o nome do clube. Em 16 de novembro os dois militares foram presos. Mais tarde, em 16 de dezembro, eles foram expulsos do Exército e postos em liberdade. (1)

No dia da reunião da FSR, chegou aos dirigentes da entidade uma carta de sócios do Frisch Auf, que diziam ter sido o clube extinto e sido fundada uma nova instituição, o Grêmio Sportivo Rio Grandense (2). Mas havia uma informação de bastidores de que isso se tratava de uma ação dos sócios do Frisch Auf  para enganar a Federação, e assim que a situação permitisse voltariam a erguer a bandeira do velho clube.

O representante do Internacional, Antenor Lemos, pediu a palavra e fez o discurso que resolveu a questão:

"Pedi preferencia de palavra na discussão do momentoso caso em debate pelo motivo de representar nesta assembléa o club de onde partiu o primeiro grito de protesto e desaggravo ante a ofensa que nos foi atirada pela maioria do 'Fussball Frisch-Auf''.

Permitti, sr´. presidente, que á margem do assumpto em discussão eu borde ligeiros comentarios fortalecendo assim a legitimidade da nossa causa e relembrando um facto historico na formação da cultura physica da mocidade portoalegrense. Muitos annos antes de estalar a formidavel conflagração européa iniciamos nós do Internacional, a campanha de nacionalisação do sport de foot-ball, na capital do Rio Grande do Sul. Em 1909 lançámos a idéa de fundação de uma sociedade onde predominassem elementos nacionaes, para o cultivo do foot-ball association, então de uso quasi exclusivo dos extrangeiros, com especialidade dos allemães, natos ou de origem. Grandes difficuldades tivemos de remover, soffrendo tambem grandes revezes.

Adestrando-nos porém para a lucta e apurando sempre e cada vez mais as invejaveis qualidades physicas que caracterizam os filhos deste pedaço de nosso amado Brasil, conseguimos impor a nossa superioridade, glorificando assim o typo de sportman legitimamente nacional.

Nossa, portanto, muito nossa é a campanha na qual vamos ter agora o epílogo com a expulsão da <Fuss-Ball Mannschaft Frisch-Auf,> cuja existencia, mesmo nos risonhos tempos de paz, constituia uma affronta á sociedade brasileira.

Agremiação allemã, formada de elementos brasileiros em sua maioria, era o Frisch Auf regido por estatutos e trabalhos de secretaria em lingua allemã.

E os nossos patrícios não se sentiam vibrados pelo culto da patria.

Desfibrados ou trahidores, certo é que não podem mais pertencer a esta Federação e neste sentido proponho a expulsão, como medida patriotica, da sociedade F. B. M. Frisch-Auf e mais que seja aberto rigoroso inquerito para apurar a culpabilidade dos nossos patricios socios da mesma sociedade, organisando-se uma lista negra, na qual deverão ser incluidos como suspeitos á patria brasileira." (3)

Ao terminar o discurso, Antenor Lemos foi muito aplaudido. A proposta de expulsão do Frisch Auf foi aprovada por unanimidade e foi formada uma comissão de inquérito para investigar quais sócios do clube haviam votado contra a nacionalização da entidade. Esses sócios ficariam proibidos de ingressarem em outros clubes filiados à FSR. (4)

No encerramento da Assembleia, discursou o delegado do Sport Club Internacional, 2º tenente Adalberto da Rocha Moreira, congratulou-se com FSR, "pelo modo com que haviam sabido desaffrontar a offensa lançada á bandeira da nossa pátria, cujos filhos, amanhã, saberão derramar o seu sangue contra um inimigo, repudiado por todo o mundo civillizado." (5)

Contextualizando a situação: quando o Internacional foi fundado, em 1909 (Antenor Lemos foi um dos fundadores do clube), o futebol da capital era dominado por dois clubes teuto-riograndenses, Grêmio e Fussball. Ambos jogavam apenas entre si e era muito difícil pessoas de fora da comunidade germânica conseguirem ingressar nos mesmos. Suas atas e documentos costumavam ser escritos em alemão, ou nas duas línguas.

Em 1910 surgiu o Frisch Auf, o mais "germânico"dos clubes teuto-riograndenses. Enquanto o Fussball e o Grêmio foram abrandando aos poucos sua "germanidade" (embora sem abandoná-la), o Frisch Auf mantinha-se arraigado. Quando ocorreu a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e a decisão de nacionalizar os nomes de entidades relacionados ao inimigo, o Frisch Auf recusou-se a aceitar a nova realidade.

Quanto ao discurso de Antenor Lemos, sobre a luta para constituir clubes de predomínio de brasileiros, o que parece estranho em um clube chamado Internacional, não deve ser visto como um comportamento xenófobo (o Internacional teve vários sócios e atletas estrangeiros em seus primeiros anos, inclusive alemães) e sim uma luta contra clubes fechados em determinadas comunidades étnicas.

Era comum na imprensa o Internacional ser apontado como a primeira equipe de Porto Alegre “inspirada e fundada por elementos puramente nacionaes”. Essa informação pode ser encontrada, entre outras fontes, no Correio do Povo, 4 de abril de 1922; Correio do Povo, 4 de abril de 1924, p. 6; Correio do Povo, 3 de abril de 1927,  p. 12; Correio do Povo, 4 de abril de 1937, p. 17.

(1) O Estado, Florianópolis, 23 de dezembro de 1917, capa.
(2) Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1917, pág. 2.
(3) A Federação, Porto Alegre, 21 de novembro de 1917, pág. 3.
(4) O Paiz, Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1917, pág. 8.
(5) Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1917, pág. 6.











2 comentários:

  1. Salve, Raul! Beleza?
    Tem textos muito interessantes na BN, inclusive matérias destaque em periódicos de SC, SP e RJ mencionando, além da extinção do Frisch Auf da Liga Sportiva Rio-grandense, a prisão dos sócios Alexandre Hertzog e Paulo Ritter (esse jogador do 1º quadro do Frisch Auf) no Exército Brasileiro por se manifestarem em oposição à nacionalização do clube. De acordo com os textos, Hertzog chorava copiosamene se sentindo culpado, enquanto Ritter se mostrava mais frio durante o anúncio da sentença.

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    1. Bah, muito legal! Vou procurar essas matérias. Esse é mais um capítulo da história do futebol gaúcho pouco conhecido.

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