Equipe campeã municipal juvenil em 1932. Jango é o terceiro atleta da direita para a esquerda (e não o que está equivocadamente destacado). Correção do pesquisador Ayrton Balsemão.
Hoje, setores conservadores, de extrema-direita e neo-fascistas comemoram o aniversário da "Revolução de 31 de Março". Além de não ter o que comemorar, existem dois erros nesse evento: não foi uma revolução, e sim um golpe de estado. E não foi em 31 de março, pois eventos dessa natureza são comemorados no dia da sua consolidação, e não em seu começo. O golpe militar de 1964 iniciou-se nas últimas horas de 31 de março, mas consolidou-se no 1º de abril. Portanto, o que temos a lamentar é o golpe de 1º de abril.
Mas o que tem isso a ver com o Internacional? Mais do que se imagina. Comecemos pelo presidente da república deposto pelo golpe militar, João Goulart, que foi atleta da equipe juvenil do Colorado.
João Goulart começou a praticar futebol muito cedo, em Itaqui, quando estudava no Colégio das Irmãs Teresianas. Em 1932, com 13 anos, chegou a Porto Alegre, para estudar no Colégio Anchieta. Na capital gaúcha Jango foi morar em uma pensão, na companhia dos amigos Abbadée dos Santos Ayub e Almir Palmeiro. Abbadée, dez anos mais velho, já atuava no Internacional, e levou Jango para atuar no time juvenil colorado. Lá, fez amizade com o atacante Salvador Arísio, que atuaria no time principal de 1935 a 1937. A posição em que Jango atuou é motivo de divergência: algumas fontes apontam ele como zagueiro, lateral-direito ou ponteiro-esquerdo. Mas o certo é que na temporada de 1932 Jango foi campeão municipal pelo Internacional (incorretamente muitas fontes da internet o apontam como campeão estadual, competição que não existia no futebol juvenil). Foi um título importante para o Colorado, em uma categoria que Grêmio e Cruzeiro dominavam as conquistas.
No ano seguinte João Goulart foi estudar em Uruguaiana. Retornaria a Porto Alegre pouco depois, para cursar a Faculdade de Direito, reestabelecendo o contato com os amigos colorados Abbadée e Salvador Arísio. Mas seus sonhos de voltar a brilhar no futebol desapareceram com uma doença venérea que paralisou seu joelho esquerdo. Mesmo com os tratamentos mais modernos da época, Jango nunca recuperou os movimentos normais do joelho.
Salvador Arísio guardou boas recordações de seu companheiro de equipe juvenil. Em depoimento, anos depois, assim se referiu a João Goulart: “um guri excepcional, meio fechado e muito, muito bom”. Arísio ainda ressaltou que embora fosse de família rica de São Borja (às vezes ia treinar nos Eucaliptos em um Packard, com placa oficial) ele nunca usou a influência do pai rico para conseguir qualquer coisa dentro do clube. “Ele tratava todo mundo igual, principalmente nós que não tínhamos dinheiro nem para o bonde”.
Em 1962 os dois amigos voltaram a se encontrar. Salvador Arísio foi à Brasília, em audiência solicitada por uma associação de jogadores gaúchos, que pretendia conseguir ajuda para a construção de sua sede social. Arísio assim descreveu o encontro: “eu entrei sozinho no gabinete do Presidente e os generais se perfilaram. O João me abraçou e chorou. Eu só tremia, minhas pernas estavam moles. Entreguei a foto da equipe campeã de 1932, e na saída ele me prometeu uma ajuda, que mandou depois, para conseguirmos a sede da nossa associação”. A experiência como atleta juvenil do Internacional havia deixado profundas e felizes lembranças no presidente da república.
Nessa época, João Goulart estava às voltas com a luta para modernizar o país, através das reformas de base: agrária, educacional, fiscal, eleitoral e urbana. Mas os grupos que não desejavam um país mais democrático e igualitário tramaram o golpe de 1º de abril de 1964, inaugurando a fase que foi definida por Carlos Chagas como "a longa noite dos generais".
João Goulart exilou-se no Uruguai, onde morreu em 6 de dezembro de 1976. No dia 12 o Internacional enfrentava o Corinthians, na final do campeonato brasileiro e a direção pensou em homenagear seu ex-atleta com um minuto de silêncio, mas os representantes da ditadura militar impediram a homenagem. Seu filho, João Vicente Goulart, declarou ao jornal Lance, anos depois: "O Internacional iria jogar a final do Brasileiro contra o Corinthians. Aí, o clube falou que iria homenagear seu ex-atleta com um minuto de silêncio. Era uma forma de driblar a ditadura, mas João Goulart não deixa de ser um ex-atleta do Internacional de fato! Alguém da Ditadura ficou sabendo que era o João Goulart e impediu a homenagem."
Somente em 8 de dezembro de 2013 o Internacional pode homenagear seu ex-atleta. Nesse dia o clube enfrentava a Ponte Preta no Centenário, em Caxias do Sul, no encerramento da temporada. O clube homenageou com um minuto de silêncio o líder sul-africano, Nelson Mandela, morto em 5 de dezembro, e João Goulart, falecido 37 anos antes.
O presidente colorado na época, Giovani Luigi, assim justificou a homenagem: "costumamos fazer homenagens a quem tem ligação com o clube. No caso de João Goulart, era uma pessoa que já tinha carreira dentro do clube e que também teve destaque em outro cenário. Um presidente da República que ainda era torcedor. Nada mais do que justo!"
As pessoas morrem, mas o sonho de democracia, justiça e igualdade permanece.
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