Abigail Conceição de Souza nasceu em Porto Alegre em 10 de abril de 1921 (ou, segundo algumas fontes, em 12 de outubro de 1921).
Abigail começou a jogar na várzea porto-alegrense ainda adolescente. Em 1939 ingressou no Força e Luz, atuando de lateral-esquerdo. Nos princípios do profissionalismo, ele trabalhava como lustrador na fábrica Miguel Stanckiewics, para complementar seu salário. Suas boas atuações pelo Forcinha chamaram a atenção do Internacional. Em janeiro de 1942 Abigail foi contratado pelo Colorado. No Internacional finalmente pode abrir mão do seu emprego de lustrador de móveis.
Sua estreia ocorreu em 4 de fevereiro de 1942, no empate em 2x2 com o Sport, nos Eucaliptos. Abigail começou a partida e depois foi substituído por Ávila. E logo em seu ano de estreia Abigail formaria aquela que é considerada a escalação clássica do Rolo Compressor: Ivo; Alpheu e Nena; Assis, Ávila e Abigail; Tesourinha, Russinho, Villalba, Ruy e Carlitos. Uma equipe capaz de resultados incríveis, como a vitória sobre o Pelotas, em 17 de maio de 1942. O Internacional venceu por 8x6 uma partida que perdia por 6x4. E a própria viagem a Pelotas foi uma aventura. Chovia muito e o ônibus que levava a delegação colorada ficou sem gasolina, durante a madrugada. Isaac Cruz, dirigente colorado, entregou um litro de uísque para os jogadores e depois eles foram empurrar o ônibus, na época em que a estrada Porto Alegre-Pelotas ainda era de terra. Por volta das 4 horas da manhã encontraram um armazém de beira de estrada, onde foram recepcionados com um 38 na mão do proprietário. Após as devidas explicações, compraram bolachas, sardinha e vinho, ficando no local até que um ônibus de Pelotas veio buscá-los. Em campo, o Pelotas vencia e alguns jogadores começaram a provocar, perguntando onde estava o poderoso Internacional. A provocação mexeu com os brios dos atletas colorados, que viraram a partida.
No livro Meu Coração é Vermelho, Carlitos descreveu assim a partida:
"Chovia que era uma coisa louca, nós estávamos perdendo pro Pelotas de 6x4, faltavam oito minutos para terminar a partida. Nós viramos o jogo para 8x6, fizemos quatro gols em 8 minutos, mas também tu dava um chute e a bola deslizava na água".
Na mesma obra, o próprio Abigail falou sobre essa partida:
"A bola caiu dentro de uma poça d'água e o Villalba não queria se molhar. Fez a volta, agarrou, puxou a bola, tirou por um lado e saiu. Carlitos entrou pela ponta e o Rui já tinha dado uma bofetada naquele lateral direito deles, o Rui era bandido também..."
Em 27 de setembro de 1942 o Internacional empatou com o Força e Luz por 2x2 e conquistou o título municipal, o primeiro de Abigail. No dia 25 de outubro, após vencer o Floriano por 4x1, veio o título gaúcho. Mesmo não sendo um jogador ofensivo, Abigail marcou dois gols na campanha do título gaúcho, contra o Internacional SM (8x1) e contra o Armour (7x3). Das 27 partidas que Abigail disputou em 1942, só saiu derrotado de campo uma única vez.
Em 1943 o Colorado começou a temporada perdendo o Torneio Triangular de Porto Alegre, vencido pelo Cruzeiro. Mas na mesma competição goleou o Grêmio duas vezes por 5x1. No Campeonato de Honra, disputado antes do Municipal, novamente o Internacional ficou com o vice e o Cruzeiro com o título. Entretanto, Abigail marcou o primeiro gol do Gre-Nal que terminou empatado em 3x3. Mas depois o Rolo Compressor arrasou os adversários e Abigail pode comemorar os títulos municipal e gaúcho outra vez. Na primeira partida da decisão do campeonato gaúcho, contra o Guarany de Cachoeira do Sul, na Timbaúva, Abigail fez o primeiro gol da vitória colorada por 3x0. Logo após o terceiro gol colorado, o goleiro Benito, do Guarany, agrediu o ponteiro colorado Didi, iniciando uma confusão. Benito foi expulso e saiu do estádio preso, enquanto Abigail, que saiu em defesa de Didi, também foi expulso. Curiosamente Abigail já havia marcado um gol no Guarany em um amistoso, em agosto. A equipe de Cachoeira do Sul foi a única a sofrer dois gols de Abigail.
Seus companheiros o chamavam por vários apelidos: Magrela, Fiapo e Seco, por ser magro, e Velho porque perdeu os cabelos e a pele do rosto secou, após beber água contaminada, lhe dando uma aparência de ter muito mais idade do que realmente tinha. Ele não se destacava pelo apoio, mas era um marcador implacável e determinado. Era chamado de "o campeão da regularidade" porque jogava sempre com grande disposição, correndo muito, sem cansar.
Em 1944 a rotina de títulos prosseguiu. O campeonato municipal foi conquistado em uma dramática vitória por 2x1 sobre o Grêmio, onde o Colorado terminou a partida com apenas 7 jogadores inteiros (na época não existiam substituições nos jogos oficiais). O título gaúcho, em 22 de outubro de 1944, veio com uma goleada de 9x0 sobre o Bagé.
Em 1945 o Rolo Compressor chegava ao seu auge. O hexacampeonato municipal (quarto título de Abigail) veio em 4 de outubro de 1945, na vitória de 2x1 sobre o Renner. Depois do título municipal o Internacional foi excursionar pela Bahia e São Paulo, voltando ao Rio Grande do Sul para conquistar o hexa gaúcho com duas vitórias sobre o Pelotas (4x2 e 3x1).
Origem da foto: https://1909emcores.blogspot.com/
A temporada de 1946 começou com o título do Torneio Extra, ao vencer o Grêmio por 1x0, em 5 de maio. Mas foi o único título colorado em uma temporada que Abigail pouco jogou, atuando em apenas 13 partidas. Ilmo o substituiu em vários jogos.
Em 1947 os resultados voltariam a ser positivos, embora o clube perdesse a primeira competição, o Torneio Extra, vencido pelo Renner. Mas nessa mesma competição o Internacional conseguiu a maior virada de sua história. Enfrentando o futuro campeão Renner, o Internacional perdia por 4x0 e virou o jogo para 5x4. Mas com vitória sobre Força e Luz (2x1) e empate com o Floriano (2x2) vieram os títulos municipal e estadual.
Em 1949 Abigail perdeu a titularidade para Ruaro. Mesmo assim, ainda marcaria um gol pelo campeonato municipal, contra o Corinthians (ex-Força e Luz), na vitória por 4x3 em 12 de junho. Com a contratação de Oreco, no início de 1950, Abigail perdeu mais espaço, e em abril do mesmo ano, transferiu-se para o Nacional. Seu último jogo pelo Colorado ocorreu em 15 de abril de 1950, um amistoso onde o Internacional bateu o Cachoeira por 5x2. Seu último gol ocorreu contra o Floriano, em um amistoso em 25 de fevereiro de 1950.
Saindo do Internacional, Abigail ingressou no Nacional. Lá fez parte do maior esquadrão do clube ferroviário, jogando ao lado dos futuros colorados La Paz, Florindo, Lindoberto, Luizinho, Bodinho e Camargo, além do ex-colorado Eliseu. Em 1954 Abigail trocou o Nacional pelo Aimoré. Em 1955 jogou no Guarany de Cachoeira do Sul, o mesmo clube que sofreu dois gols dele. Em 1956 Abigail jogou no Veronese, de canoas, onde encerrou a carreira. Em 1958, depois de um ano parado, voltou a atuar pelo Igrejinha, na condição de amador. Depois ainda teria uma rápida passagem como técnico em Estrela.
Encerrada a carreira de jogador, Abigail foi trabalhar no Departamento Estadual de Estradas e Rodagem (DAER), onde se aposentou.
Espírita, Abigail atuou como médium por alguns anos. Como diversão, gostava de longas conversas sobre o tempo do Rolo Compressor, principalmente com seu grande amigo Carlitos.
Em 1999 Abigail e Carlitos tiveram um encontro para deixarem um depoimento sobre o Rolo Compressor, para o livro Meu Coração é Vermelho, de Ruy Carlos Ostermann (o título do livro não é uma declaração de paixão clubísitica do autor, mas sim o trecho da música "Vermelho", gravada pela Fafá de Belém e que fazia sucesso entre a torcida colorada no final dos anos 1990). A foto acima registra esse encontro.
Em 2001 Carlitos, o grande amigo de Abigail, faleceu. O lateral também deixa de ser lembrado. No início de setembro de 2006 os médicos do HPS atenderam um senhor com o corte na testa. Feito o curativo simples, ele foi liberado, mas pouco depois foi trazido ao hospital por uma pessoa que o encontrou perdido e desorientado em uma rua próxima ao hospital. Até que pudessem localizar os familiares, o senhor ficou internado, e surpreendeu os médicos contando história do tempo em que era um ídolo do futebol. Dessa forma se descobriu sua identidade, Abigail, o lateral-esquerdo do Rolo Compressor. Abigail havia sofrido uma isquemia em 2002 e vivia com uma filha de criação em situação financeira difícil, na Vila Farrapos.
O ex-atleta esquecia rápido as coisas do cotidiano, mas tinha uma memória lúcida sobre os grandes feitos do passado. E naquele setembro de 2006, poucos dias depois da conquista da Taça Libertadores pelo Colorado, a família de Abigail passava por grandes dificuldades, com a filha e o genro desempregados. Mas a torcida colorada rapidamente se mobilizou, demonstrando sua solidariedade e socorrendo o ídolo em dificuldades.
O clube também se mobilizou para auxiliar seu ex-atleta, e em 10 de setembro de 2006, quando o Internacional bateu o Athlético PR por 2x0, pelo campeonato brasileiro, Abigail pode relembrar suas antigas glórias, desfilando pela pista olímpica com uma bandeira do clube e sendo aplaudido de pé pela nação colorada.
No dia 27 de dezembro de 2007, porém, chegou ao fim a jornada de Abigail, convocado para reforçar o Rolo Compressor celestial.
231 partidas
167 vitórias
34 empates
30 derrotas
7 gols marcados
Campeão gaúcho em 1942, 1943, 1944, 1945, 1947 e 1948
Campeão municipal em 1942, 1943, 1944, 1945, 1947 e 1948
Campeão do Torneio Extra em 1946
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