Manhã de 09 de julho de 1911.
Sebastião da Silva sai de sua casa, situada na Rua Boa Vista, na Colônia
Africana. Antes de começar sua caminhada até o centro da cidade, Sebastião
passa rapidamente pela igreja da Nossa Senhora da Piedade, pedir graças para
seu compromisso, logo à tarde. Mais adiante, pede à benção de Mãe Dada, e a
proteção dos orixás.
Antes do seu compromisso, uma
paradinha no boteco do Tavares, para limpar a garganta com um gole de canha.
Depois, segue pelo Caminho do Meio até a avenida Bonfim, e dali para o centro,
onde ia defender algum trocado, fazendo biscates.
No mesmo horário, em um dos
palacetes da Barros Cassal, Manoel Fontoura dos Santos, o Nelito, acorda ainda
sob efeito do sarau dançante da noite anterior. Depois de dançar foxtrote com a
bela Aninha das Graças, o final de semana seria perfeito com um bom resultado
no seu compromisso da tarde.
Já são 14 horas. Sebastião
apressa o passo, não quer chegar atrasado ao compromisso. Nelito, já na rua,
ainda decide se irá a pé ou de bonde. Como está um dia bonito, apesar do frio
inverno gaúcho, decide caminhar um pouco.
Às 14:45 horas, Sebastião e
Nelito, dois desconhecidos, chegam ao seu objetivo: o campo da Várzea. Ali, em
instantes, o Internacional entraria em campo, para bater-se com o 7 de
Setembro, pelo campeonato da cidade.
Nelito torce pelo Internacional porque
o clube aceitava, sem maiores problemas, sócios vindos do interior, como ele.
Além disso, alguns amigos e colegas da Faculdade de Medicina, como Carlos
Kluwe, jogam no time rubro. Sebastião aprendeu a gostar daquele time quando
passava pelo campo da Redenção e via os treinos. Aqueles rapazes não tinham a
mesma arrogância dos atletas do Fussball e Grêmio, e ele nunca fora barrado
quando se aproximava do campo, diferente do que ocorrera nos grounds da
Voluntários da Pátria e dos Moinhos de Ventos. Além disso, diferente dos
germânicos gremistas, no clube colorado ele percebia dois jogadores que, apesar
de serem de famílias de classe média alta, tinham nitidamente sangue africano
nas veias.
Ambos torcedores ficam na área
reservada aos torcedores que assistem o jogo
15:00 horas. Começa o jogo! O
Internacional veio a campo com Ávila II; Felizardo e Ygartua; Volkman, Kluwe e
Padilha; Simão, Túlio, Galvão, Luiz Poppe e Vinholes. O time estava desfalcado de Médici e Nilo, entrando na equipe os reservas Felizardo e Luiz Poppe.
O Internacional domina o
adversário, mas o time está tenso, devido ao fracasso da partida anterior. Os
jogadores encontram dificuldade de transformar o predomínio
Como que confirmando as palavras
de Nelito, Galvão estufa as redes do 7 de Setembro, no final da 1ª etapa. Mas
logo na saída de bola, Davi empata. A torcida fica insatisfeita. Alguns reclamam
que o tempo já havia encerrado e que o cronometrista não havia avisado o
árbitro. O próprio juiz, Henrique Sommer, sócio e atleta do Grêmio, não conta
com a simpatia dos colorados. Enquanto ele afastava-se para descansar,
Sebastião lhe acertou uma bergamota na cabeça, provocando risos na torcida.
Na segunda etapa, o jogo começa
mais tenso. A torcida colorada decide participar, vaiando os adversários.
Nelito, já enturmado com os torcedores do “baixo clero”, pede uma bergamota a
Sebastião e acerta um dos jogadores do 7. O jogo segue e Vinholes, o primeiro
artilheiro colorado, marca: 2x1. Festa vermelha! Em seguida, pênalti para o
Colorado. Sommer não consegue encontrar a marca penal, no campo mal sinalizado.
Sebastião, acostumado com a Várzea, pula a cerca que separava a torcida do
campo e mostra ao juiz o local correto. Kluwe bate e... gooool: 3x1. A torcida
vibra. Nelito grita para seu colega, que o reconhece e vai cumprimentá-lo, à
beira do gramado. Nelito apresenta rapidamente Sebastião, que abraça, emocionado,
seu ídolo.
O jogo já se encaminhava para o
final quando Túlio completou o placar: 4x1. Felizes, os torcedores colorados
abraçavam-se. Sebastião e Nelito até param para tomar uma cachacinha e comentar
o jogo, em um quiosque próximo do campo. Depois... cada um para seu lado. A
divisão social continuava existindo. Sebastião jamais frequentaria os saraus de
Nelito, e este jamais participaria dos folguedos de Sebastião. Provavelmente,
Nelito sequer atenderia pessoas como Sebastião, após formado. E Sebastião
jamais teria acesso a uma medicina decente, como a proporcionada por Nelito.
Mas no “ground” da Várzea, por
alguns minutos, o nome Internacional destruiu as diferenças de classes, e
médicos e biscateiros foram irmãos, sem temores, sem preconceitos. Como dizia
aquele hino... “Bem unidos, façamos, nesta luta final, uma terra sem amos...”.
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