O ano era 1967. O Brasil vivia os tristes tempos da ditadura militar, e a situação iria piorar muito, ainda. Mas falemos de futebol.
No dia 3 de setembro de 1967, o Grêmio bateu o Rio Grande, na Noiva do Mar, por 2x0. Mas teve uma baixa. O centroavante Alcindo, seu principal jogador, deu um soco no zagueiro Motine e foi expulso. Pela agressão foi denunciado no artigo 114 do CBDF (Código Brasileiro Disciplinar do Futebol), que previa pena de 2 a 10 jogos de suspensão para atletas profissionais.
Logo após a partida, a imprensa já dava como certa a ausência de Alcindo no clássico Gre-Nal do dia 17. O Grêmio tinha uma partida antes, contra o Farroupilha, mas a punição era inevitável. No dia 10, ainda sem ser julgado, Alcindo atuou contra o Farroupilha, pois não existia suspensão automática para expulsão, na época.
No dia 12 de setembro, o Tribunal de Justiça Desportiva reuniu-se, julgando, entre outros casos, a expulsão de Alcindo. Como era esperado, com a clara agressão, Alcindo foi punido. E o Grêmio ainda foi beneficiado, pois o atleta pegou a pena mínima, dois jogos. Mas ficaria fora do Gre-Nal e da abertura do returno, contra o Aimoré.
Logo após o julgamento, a direção gremista anunciou que iria recorrer da decisão e também pedir um efeito suspensivo. Mas a suspensão da pena, sem julgamento do recurso pelo STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva), somente podia ser concedida pelo presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), João Havelange, e mesmo assim em casos excepcionais.
Sabendo que o caso de Alcindo não se enquadrava como um "caso excepcional", pois era uma punição simples para um caso de agressão, a direção gremista partiu para outros meios. O STJD era subordinado ao CND (Conselho Nacional de Desportos), que por sua vez era vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. E o ministro da Educação da ditadura era o gaúcho e gremista Tarso Dutra. Assim, no dia 15 de setembro, aniversário do Grêmio, a imprensa anunciava, surpresa, que Tarso Dutra determinou a suspensão da pena de Alcindo. O telegrama enviado à CBD, à FGF e à imprensa dizia: "O Ministro da Educação e Cultura admitiu o recurso atleta Alcindo Martha de Freitas e o presidente do STJD concedeu efeito suspensivo por 10 dias".
A repercussão foi imediata. O presidente do Internacional, Efraim Pinheiro Cabral, declarou: "Se fosse membro do TJD, ao saber da decisão do Supremo Tribunal de Justiça teria renunciado imediatamente ao cargo."
Ênio Melo, que tinha uma coluna no jornal Diário de Notícias, assim escreveu, profeticamente:
"Jamais imaginaríamos que um Ministro de Estado poderia dar feição totalmente diferente ao jôgo pelo inusitado de uma deliberação que, se não nos falta a memória, nunca foi tentada no futebol brasileiro, embora muitas pessoas soubessem que o desporto está subordinado ao Ministério da Educação. Será, não tenham dúvidas, não o Gre-Nal 184, mas o 'Gre-Nal do Ministro'. Por muitos anos."
Para piorar, o trio de ataque colorado, Toninho, Claudiomiro e Vilsinho, estava lesionado e era dúvida. E o ponteiro-esquerdo reserva, Carlitos, estava prestando serviço militar em Santa Cruz do Sul e seu comando decidiu não liberá-lo para o clássico. A situação era tão absurda que o comando do III Exército teve que interferir e determinar a liberação do atleta.
No dia do clássico, Toninho não pode jogar, mas Claudiomiro e Vilsinho estavam recuperados. Como Carlitos fora liberado apenas na véspera, o técnico colorado Pedro Ário Figueiró decidiu optar por Bráulio, reforçando o meio-campo.
O Grêmio entrou no gramado do Olímpico como favorito. A imprensa destacava a invencibilidade em clássicos do técnico gremista Carlos Froner. Apesar do mau tempo, cerca de 35 mil pessoas compareceram ao estádio.
O Grêmio dominou a 1ª etapa e parte do 2º tempo, mas não conseguiu estabelecer vantagem no marcador. A lesão de Vilsinho, ainda no 1º tempo, e o ingresso de Lambari, mudaram o rumo do jogo. Lambari anulou Sérgio Lopes. O lado esquerdo colorado, com Sadi e Dorinho, mais o apoio de Elton, Bráulio e Sérgio, levou o Internacional a equilibrar a partida e sair de campo vitorioso. Alcindo foi o principal jogador gremista.
Principais lances da partida:
1º tempo:
3' - Volmir cobrou falta, Sérgio Lopes tocou de cabeça para Joãozinho que, da marca do pênalti, chutou para fora.
15' - Alcindo, impedido, chutou para as redes, mas a arbitragem já havia marcado a irregularidade antes do chute.
25' - Alcindo cobrou falta, da entrada da área, chutando com violência no travessão.
37' - Sadi cruzou e Lambari, na cara do gol, cabeceou para fora.
2º tempo
14' - Bráulio invadiu a área e sozinho na frente de Arlindo, precipitou-se e chutou no corpo do goleiro.
16' - Claudiomiro avançou pela esquerda, invadiu a área e ao tentar encobrir Arlindo, tocou por cima do gol.
17' - Volmir cruzou para a área, a meia altura. Na frente de Gainete, Sérgio Lopes furou em bola.
30' - Alcindo driblou Laurício e Scala e tocou para Babá, que driblou Elton e chutou por cima do gol.
36' - Sérgio foi lançado pela esquerda, avançou, driblou Ari Ercílio, deixando-o sentado no chão, e cruzou rasteiro para a área. Claudiomiro, que vinha chegando na corrida, dominou a bola, esperou a saída de Arlindo e tocou para o fundo das redes. GOL!
46' - Os gremistas reclamaram de um pênalti de Laurício sobre Alcindo.
No dia seguinte, a manchete do jogo não poderia ser outra:
Passado o efeito suspensivo, o STJD manteve a punição de Alcindo. E Tarso Dutra manteve sua postura de gremista e anti-colorado, como em 3 de maio de 1969. Nesse dia, o ainda ministro da ditadura, que vivia sua fase mais sangrenta, enviou um telegrama aos jogadores do Juventude, antes de uma partida contra o Internacional, declarando apoio a eles. O Juventude venceu o jogo, mas naquele ano Tarso Dutra viu seu clube perder a hegemonia estadual e o Colorado começar a caminhada do octa.
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