A sociedade gaúcha do final do século XIX e início do século XX era muito conservadora e preconceituosa. O capitão Graciliano de Faria Ortiz, de família tradcional gaúcha, ao casar-se com Risoleta Pedroso, uma moça negra, teve que se afastar do estado para fugir do racismo.
Retornando ao Rio Grande do Sul anos depois, seu filho Alcides Ortiz foi um dos fundadores do Sport Club Internacional. Sua filha Maria da Conceição Ortiz Poppe casou-se com Henrique Poppe Leão, o principal fundador do Colorado.
O preconceito das elites gaúchas era étnico, mas também social. Muitos atletas negros, mas de famílias abastadas eram considerados brancos. Mesmo em um clube como o Internacional havia o Simão "Índio", filho de uma tradicional família de Santana do Livramento, e Dorval, neto do general João Manoel de Lima e Silva.
Mas o ano de 1928 seria um divisor de águas. Em meio à disputa entre defensores do amadorismo e do profissionalismo, o Internacional se abriu para atletas oriundos das classes mais baixas, que recebiam salários para jogar. É necessário dizer que esse pagamento não era novidade, e que no grupo campeão de 1927, atletas como Moeller e Ross jogavam pelo salário. Mas nenhum deles tinha uma origem humilde.
Mas no segundo semestre de 1928 isso mudou. Primeiro veio Dirceu Alves, o primeiro atleta reconhecidamente negro a jogar no Internacional. Oriundo de clubes da chamada "Liga da Canela Preta", ele estreou no Internacional em 19 de agosto de 1928, na derrota por 2x0 para o Americano. Este jogador tem uma carreira conhecida, atuou no Internacional até 1929. Desaparecido da imprensa entre o 2º semestre de 1929 e o início de 1931, reapareceu no Americano, onde atuou até 1935, voltando ao Colorado em 1936.
Mas no jogo seguinte à estreia de Dirceu Alves, o Gre-Nal de 26 de agosto de 1928, um novo atleta estreou no Internacional: o atacante Ramão. E foi Ramão que, aos 23 minutos do 2º tempo, após receber um passe da direita, marcou o gol de empate. O clássico terminou 2x2, depois do Tricolor abrir vantagem de 2x0.
Na foto do Correio do Povo em que aparecem as equipes, há um jogador negro facilmente identificável no Internacional, Dirceu Alves. Mas Ramão, em seu atestado de óbito, é definido como "pardo".
Ramão Fabrício Baptista Filho vinha de uma família humilde. Seu pai, Ramão Fabrício Baptista, serviu como soldado no 4º Batalhão de Cavalaria, sediado em Uruguaiana, até 1893, quando deu baixa por conclusão do tempo de serviço. Casou-se na cidade de Uruguaiana com Auta Escudero Fabrício.
Ramão Fabrício Baptista Filho nasceu em 1906 ou 1907 (1). Seu pai era carpinteiro, trabalhando por jornada. Não há informações conhecidas se Ramão nasceu em Uruguaiana ou Porto Alegre, nem de quando a família veio para a capital. Talvez o pai fosse natural de Porto Alegre e tivesse ido para a fronteira por causa do serviço militar.
O que Ramão fez, antes de chegar ao Internacional? Também faltam informações. Provavelmente já praticava futebol em outros clubes. Teria atuado em clubes da "Liga da Canela Preta"? A Associação de Amadores de Futebol era a única entidade que reunia os clubes da comunidade negra, na época. Mas mesmo o jornal O Exemplo, principal órgão de imprensa da comunidade negra porto-alegrense, raramente trazia mais que os resultados dos jogos da liga, as vezes nem isso. Outra hipótese menos provável é que Ramão tenha começado a carreira em Uruguaiana e vindo a Porto Alegre para atuar no Internacional. Mas os pequenos salários de atletas da época não justificariam a vinda de toda a familia para a capital.
O fato é que em agosto de 1928 Ramão chegou ao Internacional. E para estrear logo em um Gre-Nal, não poderia ser alguém inexperiente na função. No jogo seguinte após o Gre-Nal, o Internacional venceu o Concórdia por 7x0, com três gols de Ramão (e dois de Dirceu Alves). No dia 7 de setembro, vitória de 4x1 sobre o Ypiranga. E no dia 9 de setembro, derrota diante do Porto Alegre (0x5). No dia 16 de setembro o Internacional enfrentou o Cruzeiro. Para poder utilizar o goleiro Bagre, que já havia atuado pelo São José, o Internacional entregou os pontos e disputou a partida como amistosa.
Após esses jogos, o Colorado ficaria quase dois meses sem atuar, voltando a campo em 15 de novembro para disputar um amistoso contra o São Paulo de Rio Grande. O Internacional venceu por 5x0. Para encerrar a temporada, em 18 de novembro ocorreu um Gre-Nal amistoso, vencido pelo Grêmio por 2x0. Essa foi a despedida de Ramão.
A temporada de 1928 teve uma baixa cobertura do jornal A Federação. Dos seis jogos em que Ramão atuou, o jornal cobriu apenas o primeiro, chamando-o de Fabrício. O Correio do Povo, de maior cobertura, não apresenta informações de onde ele teria vindo ou para onde teria ido após sair do Internacional,
Titular nos seis jogos finais de 1928, Ramão não permaneceu no clube em 1929. Também não aparece em nenhum outro clube da capital. Em 3 de abril de 1931, um dia antes do Internacional completar 22 anos, Ramão faleceu de tuberculose, aos 24 anos de idade.
Seus números no Internacional
7 jogos
4 vitórias
1 empate
2 derrotas
4 gols marcados
(1)No jornal A Federação de 28 de outubro de 1929, em uma lista de eleitores que deveriam comparecer ao cartório eleitoral munidos de documentos, Ramão é citado com 22 anos. No atestado de óbito de 4 de abril de 1931, ele tinha 24 anos.