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terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Jogadores do passado: Didi Pedalada

 

Orandir Portassi Lucas nasceu em 23 de julho de 1946, em Bagé (RS).

No futebol, Orandir começou a carreira no Guarany de Bagé, em 1963. Atuava como atacante e tinha o apelido de Didi, complementado mais tarde com Pedalada, pelo seu drible característico, onde passava o pé sobre a bola. Veloz e raçudo, gostava de atuar pelo lado esquerdo. Defendendo o Guarany, Didi Pedalada enfrentou o Internacional sete vezes, entre 1965 e 1966, marcando um gol, em 4 de junho de 1966, em um amistoso no Estrela D'Alva, vencido pelo Colorado por 2x1.

O bom desempenho de Didi pelo Guarany chamou a atenção de outros clubes. Em janeiro de 1967, Didi foi fazer testes no Santos. Na mesma época o Vasco demonstrou interesse em contratá-lo. Mas nenhum dos negócios se concretizou.

Didi foi emprestado ao Internacional no início de abril de 1967, para a disputa do Robertão. Sua estreia ocorreu em 9 de abril de 1967, em partida contra o Cruzeiro, pela competição nacional. O jogo foi disputado no estádio Olímpico, e os mineiros saíram na frente. Didi Pedalada entrou no time no lugar de Leônidas. O Internacional empatou com Elton e, aos 33' do 2º tempo, o lance que encatou a torcida: Didi Pedalada recebeu a bola na intermediára e partiu para a área adversária. Driblou Procópio, depois Pedro Paulo, e na saída do goleiro Raul, desviou a bola para as redes. Internacional 2x1! No jogo seguinte, em 12 de abril, contra o Palmeiras, Didi já começou como titular. A partida terminou 2x2 e Didi Pedalada fez os dois gols colorados. No jogo seguinte, no Mineirão, 0x0 com o Atlético Mineiro. Mas de volta a Porto Alegre, o Colorado bateu o Fluminense por 3x0 e Didi Pedalada fez o terceiro gol. Em 26 de abril, o adversário era o Bangu. Didi Pedalada abriu o placar logo aos 4' de jogo, mas aos 16' teve que ser substituído por lesão, ao sofrer a segunda falta violenta de Pedrinho. O jogo terminaria 2x2. No jogo seguinte, 0x0 com o Vasco da Gama, mas Didi Pedalada acertou um chute na trave.

Suas boas atuações imediatamente chamaram a atenção de outros clubes. Ainda em abril, América do Rio, Vasco da Gama e Grêmio fizeram sondagens para contratá-lo. O Vasco chegou a oferecer 100 milhões de cruzeiros, enqquanto a proposta do Guarany para o Internacional era de 25 milhões, o empréstimo de dois jogadores e mais um amistoso com renda para o clube de Bagé. Em maio o Colorado fez uma proposta ao Guarany: 20 milhões de cruzeiros, divididos em seis parcelas. Mas em 8 de maio de 1967 o Cruzeiro de Belo Horizonte contratou Didi Pedalada, por 40 mil cruzeiros novos, e ainda levou Davi, atacante colorado, por 25 mil cruzeiros novos. Após seis partidas e cinco gols marcados, Didi ia embora do Internacional.

A passagem de Didi pelo Cruzeiro não foi positiva. E no início de 1968 o Internacional cogitava contratá-lo. Tentou por empréstimo, ou em troca por Toninho. Mas Didi ficou mais um ano em Minas. Em dezembro de 1968, Didi voltou ao sul, mas para jogar no Cruzeiro de Porto Alegre. No seu novo clube, enfrentou o Internacional quatro vezes. Entretanto, em agosto de 1969 o Internacional recontratou Didi.

A reestreia de Didi Pedalada ocorreu em 17 de agosto de 1969, em um amistoso contra o Cruzeiro de Porto Alegre, como parte do pagamento do passe do jogador. O Colorado venceu por 2x1 e Didi fez a assist~encia para o segundo gol do Internacional. No jogo seguinte, um amistoso contra a Seleção de Rivera. O Colorado venceu por 3x0 e Didi Pedalada fechou o placar do jogo. Em 7 de setembro, estreia colorada no Robertão, contra o Botafogo, um princípio de crise: quando os alto-falantes do Beira-Rio anunciaram a escalação de Valdomiro, a torcida vaiou com força, pois queria Didi Pedalada no time. Valdomiro, porém, provou seu valor. Marcou dois gols e deu o passe para o terceiro, na vitória por 3x1. No final do jogo ele foi substituído por Didi Pedalada. No jogo seguinte, em Curitiba, novamente Didi começou no banco, entrando no segundo tempo. nesse jogo ele marcou o segundo gol colorado, na vitória por 2x0 sobre o Coritiba. Contra o Palmeiras (3x0) novamnte Didi começou no banco, substituindo Claudiomiro. Voltaria a jogar contra o América (0x0), no Maracanã, novamente saindo do banco. No Pacaembu, contra o Corinthians (1x3) novamente jogou começando no banco de reservas. E dessa vez sofreu críticas, pois entrou no time no intervalo, no lugar de Claudiomiro, quando o Internacional vencia por 1x0. O time perdeu força ofensiva e sofreu a virada. Essa foi sua primeira derrota defendendo as cores coloradas.

Didi já não entrava em todas as partidas. O ataque titular colorado era formado por Valdomiro, Sérgio Galocha, Claudiomiro e Canhoto, sendo difícil encontrar uma vaga. mais uma vez saindo do banco, atuou contra o Santos (3x0), Portuguesa (1x3) e Cruzeiro (0x1). Em 13 de novembro, foi titular em um amistoso contra o Itabaiana. O Colorado venceu por 1x0. O gol saiu após um chute de Didi, que o goleiro defendeu parcialmente e deu rebote a Tovar, que marcou. Ele voltarai a jogar em outro amistoso, com o Bahia (0x2), dessa vez saindo do banco. Contra o São Paulo (1x1), pelo Robertão, Didi foi titular. Também foi titular em um amistoso com o Novo Hamburgo (1x4).

Na temporada de 1970, logo na estreia, Didi saiu do banco para o campo, no empate em 0x0 com o Sparta Praga. A mesms situação ocorreu contra o Internacional de Lajes (1x0) e Seleção da Romênia (1x1). No amistoso com o Tupy de Crissiumal (5x1), Didi começou como titular e marcou dois gols. Também começou como titular o amistoso com o Nacional do Paraguai (3x0). Didi ficaria fora do time por vários jogos, voltando a atuar em 15 de março, na derrota por 1x0 para o Atlético Mineiro, em partida válida pela Taça Cidade de São José dos Campos. Também atuou, igualmente saindo do banco de reservas, contra a Seleção do Peru (3x0). Pelo campeonato gaúcho, atuou em 8 de abril contra seu antigo clube, o Guarany de Bagé (4x0). Saindo do banco de reservas, marcou o terceiro gol colorado. Foi titular contra o Aimoré (3x0), no jogo seguinte, pois a equipe principal colorada estava no Uruguai. Mas em 26 de abril ele foi com o grupo principal para o Peru, participando dos amistosos com o Juan Aurich (4x2) e Seleção do Peru (2x0), sempre ssaindo do banco. Também jogaria um amistoso contra o Glória de Carazinho (4x0). No Gauchão, voltou a atuar contra o Santa Cruz (2x0). Em 9 de maio, no amistoso de inauguração do novo sistema de iluminação do Olímpico, empate em 0x0 no Gre-Nal. O Internacional havia anunciado que jogaria com uma equipe reserva, mas foi pressionado para jogar com os titulares, pois estaria presente no estádio o ditador Emílio Garrastazu Médici. Didi entrou no time substituindo Mosquito, mas também acabou substituído por Valmir. Pelo Gauchão, voltaria a atuar contra o Novo Hamburgo (1x1). Em seguida foi titular no amistoso com o Vitória de Setúbal (1x1).

Didi jogou várias partidas pelo Gauchão de 1970, seja saindo do banco, seja como titular. Em 1º de outubro de 1970, quando o Colorado bateu o 14 de Julho de Passo Fundo por 2x0 e conquistou o bicampeonato, Didi atuou, entrando no time no lugar de Tovar. No Robertão também atuou em algumas partidas.

Na estreia do Gauchão de 1971, o Internacional bateu o Ypiranga por 4x0. Didi Pedalada fez o terceiro gol colorado. Em 3 de fevereiro, pelo Torneio do Povo, o Internacional bateu o Atlético Mineiro por 3x0 e Didi fechou o placar. Entre jogos do Torneio do Povo, amistosos e campeonato gaúcho, Didi Pedalada atuou em várias partidas. Em 12 de maio o Internacional venceu o São Paulo de Rio Grande por 6x0 e Didi Pedalada marcou seu último gol pelo Internacional. Em 15 de julho, o Internacional bateu o Esportivo por 2x1, no último jogo de Didi pelo Internacional.

Seus números no Internacional:
84 partidas
49 vitórias
22 empates
13 derrotas
17 gols
Campeão gaúcho em 1969, 1970 e 1971

A seguir, começa um período pouco conhecido de Didi. Não encontrei informações de onde ele jogou entre julho de 1971 e dezembro de 1972. Provavelmente esteve emprestado para algum clube pequeno ou mesmo no exterior. Quando foi contratado pelo Atlético Paranaense, no início de 1973, foi anunciado como um jogador vindo do Internacional. Foi no Furacão que o apelido Pedalada foi definitivamente incorporado ao nome, para diferenciar de Didi Duarte, também jogador atleticano. Em julho de 1974, Didi transferiu-se para o América do México. Em julho de 1975 o Colorado/PR tentou contratá-lo por empréstimo e Didi chegou a treinar no clube paranaense, mas a negociação não se concretizou e ele voltou ao México. Aparentemente Didi Pedalada foi jogar nos Estados Unidos. Em 1976 voltou ao Brasil, indo jogar no Ypiranga de Erechim.

Quando encerrou a carreira, Didi estava desempregado e sem perspectivas. Recorreu aos ex-companheiros de Internacional, buscando uma indicação. E aí Jorge Andrade o apresentou a Pedro Seelig, delegado do temido DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). De família colorada, Pedro Seelig frequentava o Beira-Rio e gostava de ter amizades com os jogadores. Assim, Didi Pedalada, agora apenas Orandir, tornou-se escrivão da Polícia Civil gaúcha e foi trabalhar no DOPS.

O Seelig colorado importante para o clube foi outro. Júlio Seelig foi eleito presidente do Internacional por três mandatos consecutivos: 1912, 1913 e 1914. Foi o responsável pelo aluguel da Chácara dos Eucaliptos e em sua gestão ocorreu a conquista do primeiro título oficial do clube, o campeonato municipal de 1913. Em abril de 1915 chegou a ser eleito para o cargo de tesoureiro, mas dias depois renunciou, devido aos seus afazeres profissionais, que estavam tomando muito tempo. Ele era farmacêutico. Mas em 1916 voltou a fazer parte da direção, ocupando um cargo no Conselho Fiscal. E em nada na sua trajetória o aproxima do que viria a fazer seu descendente, Pedro Seelig.

O temido delegado da ditadura começou a vida profissional como motorista de ônibus. Mais tarde entrou para a Guarda Civil, compondo a sua Tropa de Choque. Em 1963 tornou-se escrivão da Polícia Civil. Em 1964 teve uma rápida passagem pelo DOPS e, após trabalhar em delegacias do interior do estado, voltou ao DOPS de Porto Alegre em 1969. Violento, já havia respondido a processos por lesão corporal e agressão. Uma vez no DOPS, causou a morte de seu enteado, Luís Alberto Pinto Arébalo, de 17 anos. Querendo dar um "susto" no enteado, o levou para o DOPS, onde ele foi torturado e acabou morrendo. No plano esportivo, Seelig usava a força de seu cargo para frequentar o Beira-Rio, os bastidores do clube e se aproximar dos jogadores, de quem almejava a amizade. Buscando demonstrar poder, chegou a organizar desnecessários "esquemas de segurança" para o clube, em jogos considerados complicados, no interior. Entretanto, nunca houve uma ligação que favorecesse o clube, de alguma forma. Aliás, é bem possível que tenha Seelig que avisou as autoridades federais que o Internacional pretendia homenagear João Goulart com um minuto de silêncio, na final do campeonato brasileiro de 1976. O clube foi proibido de fazer a homenagem.

Voltando a Didi Pedalada. O evento que o tornaria tristemente conhecido, de certa forma, envolvia também o Internacional. Vivia em Porto Alegre o casal uruguaio Universindo Díaz e Lilian Celiberti, membros do PVP (Partido de la Victoria del Pueblo), que passou a ser alvo dos órgãos de segurança do Uruguai. Em plena era da Operação Condor, as forças de repressão brasileiras colaboraram com a ditadura vizinha. Mas o que isso tem a ver com o Internacional? Universindo era torcedor do Internacional (e do Peñarol, no Uruguai), e no dia 12 de novembro de 1978 se preparava para ir ao Beira-Rio, assistir Internacional x Caxias, pelo campeonato gaúcho, quando teve sua casa invadida por agentes do DOPS. Lilian conseguiu avisar outro membro do PVP de que havia algo errado. O jornalista da VEJA em Porto Alegre, Luiz Cláudio Cunha, foi avisado da situação, e resolveu ir até o apartamento do casal uruguaio. Queria levar um fotógrafo, e convidou João Batista Scalco, da revista Placar, para ir junto. Chegando ao apartamento, quase foram presos, confundidos com outros militantes do PVP. Desfeita a confusçao, foram mandados embora. mas JB Scalco reconheceu, entre os agentes do DOPS, o ex-jogador Didi Pedalada.

Publicada a denúncia na VEJA, uma onda internacional de solidariedade ao casal uruguaio se formou, e talvez tenha salvo a vida deles. No Brasil, formou-se um processo contra os principais envolvidos no sequestro do casal uruguaio: Pedro Seelig, João Augusto da Rosa, Janito Keppler e Orandir, o Didi Pedalada. Seelig e Keppler foram absolvidos. Em 21 de julho de 1980, Didi Pedalada e João Augusto da Rosa foram condenados a uma pena de seis meses de detenção pelo crime de abuso de autoridade, com a proibição de trabalhar em Porto Alegre por dois anos. Mais tarde, João Augusto da Rosa conseguiu um recurso para não cumprir a pena. Apenas Didi Pedalada, a "arraia-miúda" entre os tubarões, não conseguiu escapar à condenação, embora a pena de prisão tenha se transformado em suspensão do serviço. Um detalhe: dos quatro acusados, o único punido era também o único homem negro na lista.

Muitos que conviveram com o atleta Didi Pedalada jamais conseguiram entender o policial Orandir Portassi. Na revista Veja de 3 de janeiro de 1979, cita-se que um amigo dele lhe teria dito, em uma conversa durante o processo: "Eu te falei, Didi, tu não devia ter entrado para a polícia. Tu não dá para isso". Na revista Placar de 28 de junho de 1985, um ex-atleta colorado, companheiro de Didi nos jogos de veteranos, declarou: "um peixe miúdo que caiu em fria".

Cumprida a pena, Didi Pedalada voltou a trabalhar na Polícia Civil em Porto Alegre, em 1983, sempre buscando ficar fora dos holofotes. Por algum tempo, também frequentou as peladas de ex-atletas do Internacional, jogando pelos veteranos. Morreu em 1º de janeiro de 2005, devido a uma parada cardíaca, em conseqüência de complicações no fígado e diabetes.

Para aprofundar o tema, algumas sugestões de leitura:

Texto sobre Didi Pedalada

Reportagens da Veja sobre o caso do sequestro dos uruguaios

Texto sobre Pedro Seelig

Texto sobre o sequestro dos uruguaios

O livro de Omar Ferri: Sequestro no Cone Sul

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