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sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Campeonato Gaúcho Feminino: as origens



O futebol feminino no Brasil surgiu praticamente com o futebol masculino, embora inicialmente fosse apresentado como show e curiosidade e não como competição.

Em 1941, o CND (Conselho Nacional de Desportos) decidiu proibir algumas práticas esportivas às mulheres. O Decreto-Lei nº 3.199, de 14/04/1941, determinava em seu artigo 54: "às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país".

O decreto não citava especificamente o futebol, mas ele foi um dos esportes considerados inadequados às mulheres. Durante a ditadura militar, a proibição ficou mais evidente. Em 2 de agosto de 1965, o CND, presidido pelo general Eloy Massey Oliveira de Menezes, publicou a Deliberação nº 7, regulamentando o decreto de 1941. Ela determinava que "não é permitido a prática de lutas de qualquer natureza, do futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball".

Apesar da proibição, o futebol feminino teimava em forçar barreiras. Em 1974, o jornal O Pioneiro noticiava a realização de uma partida em Caxias do Sul, apesar do comentário preconceituoso do cronista Guiomar Chies:

"A turma vibrou com o futebol feminino de sábado, entre as calouras. Nas jogadas que a bola era matada no peito (ou nos) em algumas vezes dava a impressão que ela teimava em ficar ali mesmo". (1)

Em agosto de 1976, a comunidade católica do distrito de Santa Lúcia do Piaí, de Caxias do Sul, organizou um torneio de futebol feminino durante as comemorações de sua padroeira. Equipes femininas de futebol e futebol de salão começam a surgir pelo estado, como a Três Marias, fundada em fevereiro de 1977 por funcionárias da indústria de malhas do mesmo nome, sediada em Caxias do Sul.


Diante do avanço do futebol feminino, a ditadura acabou recuando e em 1979 retirou a proibição à prática do esporte pelas mulheres. Mesmo assim, o menosprezo ao esporte continuava. Novamente recorrendo ao jornal O Pioneiro, uma foto de uma partida de futebol de salão feminino tinha a seguinte legenda, escrita pelo mesmo cronista anterior: "mesmo que a bola apareça pouco, o futebol feminino sempre tem o visual mais atraente". (2)

Em junho de 1982 a FIFA anunciou a intenção de organizar uma Copa do Mundo de Futebol Feminino (o que só ocorreria em 1991).

O interesse da FIFA no futebol feminino fez com que o CND e a CBF passassem a se interessar pelo esporte. (3)

Em agosto de 1982 a FGF começou a estudar propostas para a regulamentação do futebol feminino. Em 19/09/1982, na preliminar de Juventude x Internacional, no Alfredo Jaconi, jogaram a Seleção Feminina dos Clubes Não-Filiados de Caxias do Sul e o Bento Atlético Futebol Feminino, de Bento Gonçalves. Infelizmente a imprensa não registrou o resultado da partida.

Em dezembro de 1982 uma comissão especial criada pela FGF elaborou um anteprojeto para regulamentar o futebol feminino, que previa, entre outras coisas, a utilização de um sutiã especial pelas atletas e a proibição da condução da bola com o peito e de partidas mistas (com homens e mulheres nas equipes). (4)

Em março de 1983 o CND regulamentou o futebol feminino. A imprensa noticiou que bola no seio seria equivalente à bola na mão, sendo falta. Mas na Declaração 01/83 do CND isso não é citado. (5)

Na mesma época, a FGF anunciava que existiam 300 times de futebol feminino no estado, com 4.500 atletas. O número era superior ao número de clubes amadores filiados, que eram 205. Mas a visão preconceituosa continuava. Novamente a opinião do cronista de O Pioneiro: (6) e (7)


Ainda na temporada de 1983, a FGF organiza o primeiro campeonato gaúcho de futebol, o único torneio do país reconhecido por uma federação estadual. Sua abertura ocorreu em 07/09/1983, quando o Internacional venceu o Cerâmica por 6x0, no Beira-Rio, na preliminar de Internacional 0x0 São Borja.

Mesmo assim, a resistência ao futebol feminino continuava. Em 30/10/1983, o técnico Chiquinho, do Esportivo, declarou: "Futebol feminino não leva a nada. Mulher não é para jogar futebol. É para outra coisa". (8)

O campeonato gaúcho de 1983, o primeiro da categoria, teve seis participantes: Internacional, Grêmio, São José, Cerâmica, Esportivo e Internacional SM. Os clubes foram divididos em dois grupos de três equipes, classificando-se os dois primeiros para a fase final. A campanha colorada foi a seguinte:

1ª Fase
6x0 Cerâmica - C
2x0 Internacional SM - C
8x0 Cerâmica - F
1x2 Internacional SM - F
Quadrangular Final
2x1 Esportivo - F
1x0 Internacional SM - F
2x0 Grêmio - C
Primeiro Gre-Nal da história do futebol feminino. Beti fez os dois gols colorados.
3x0 Esportivo - C
1x0 Internacional SM - C
Com este resultado as coloradas sagraram-se campeãs com uma rodada de antecipação.
2x3 Grêmio - F

Em 1984, Grêmio, São José e Internacional SM desistiram de participar, sendo substituídos pelo Riograndense SM, Canoas e SACC (Capão da Canoa). O Cerâmica, após disputar o Torneio Início, também desistiu da competição. Nessa edição do torneio o Internacional já contava com aquela que seria sua grande atleta: Duda, então com 14 anos. O Colorado conquistou o bicampeonato com a seguinte campanha:

1º Turno
3x1 Canoas - C
3x0 Esportivo - F
1x0 Riograndense SM - C
1x2 SACC - F
2º Turno
0x1 Canoas - F
2x1 Esportivo - C
2x0 Riograndense SM - F
Com este resultado as coloradas sagraram-se campeãs com uma rodada de antecipação.
2x1 SACC - C

Começava assim a longa caminhada do futebol feminino gaúcho e colorado.

(1) O Pioneiro, 6 de abril de 1974, pág. 34.
(2) O Pioneiro, 11 de março de 1982, pág. 25.
(3) O Pioneiro, 31 de julho de 1982, pág. 45.
(4) O Pioneiro, 28 de dezembro de 1982, pág. 21.
(5) O Pioneiro, 24 de fevereiro de 1984, pág. 23
(6) O Pioneiro, 31 de março de 1983, pág. 31.
(7) O Pioneiro, 30 de abril de 1983, pág. 44.
(8) O Pioneiro, 1º de novembro de 1983, pág. 30.


2 comentários:

  1. Belo resgate, professor. Cada pérola dos nossos legisladores e jornalistas... Quando vemos essas reportagens de época é que percebemos o quanto avançamos nessa questão.

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    1. Sem dúvida! Ainda há muito a fazer, mas já houve um avanço considerável. Muitas declarações antes comuns na imprensa agora não encontram mais espaço.

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